segunda-feira, 22 de julho de 2013

Especialistas e militantes discutem programa criado como resposta do governo federal às reivindicações por melhorias na saúde pública.
 O governo anunciou, nesta última segunda-feira, dia 8 de julho, o programa ‘Mais Médicos’, que, entre outras ações’ pretende levar médicos para regiões com dificuldades de atrair estes profissionais, além de exigir que os estudantes de medicina, como parte da sua formação, passem a trabalhar dois anos pelo SUS. Esta ação – que integra o Pacto pela Saúde que apresentou cinco propostas , – foi uma das mais polêmicas, embora, segundo alguns especialistas e militantes, não seja isoladamente a mais importante.

O programa Pacto pela Saúde lançado no dia 24 de junho em uma reunião entre prefeitos e governadores das capitais garante investimento de R$ 12,9 bilhões até 2014 para a expansão e a aceleração de investimentos por mais e melhores hospitais e unidades de saúde e por mais médicos. De acordo com o Ministério da Saúde, estão planejadas a construção, reforma e ampliação de hospitais, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs 24h) e de unidades básicas, além de hospitais universitários. O Pacto pretende ainda aumentar o número de vagas em residências médicas, além de perdoar a dívida dos hospitais filantrópicos.
Para o presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Luís Eugênio de Souza, o que este programa prevê é importante, mas não são apenas estas as necessidades do SUS. “Além da construção, é preciso assegurar o custeio das unidades de saúde, assim como é fundamental organizar as redes integradas de serviços”, explica.
Para Luis Eugênio agora é a hora de fortalecer o Movimento Saúde + 10 – que prevê a aplicação de 10% das correntes brutas da União para o SUS. “Em um importante ato público, realizado no dia 10 de julho, durante o 29º Congresso do Conasems, o Movimento, liderado pelo Conselho Nacional de Saúde, conseguiu o compromisso do presidente da Câmara Federal, deputado Henrique Alves, de receber em plenário o Projeto de Lei de Iniciativa Popular que já reuniu mais de um milhão e meio de assinaturas. A entrega será feita no dia 5 de agosto. Creio que, sensível às manifestações populares, a área econômica do governo federal não vai, dessa vez, pressionar os parlamentares a rejeitar a proposta”, informa o presidente da Abrasco.
O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Aloísio Tibiriçá, afirma que esta pauta de mais recursos para o SUS é perfilada também pela entidade que representa. “Nós vimos o governo derrubar a Emenda Constitucional 29, que daria mais dinheiro à saúde, que favoreceria um projeto de saúde para a nação brasileira, e assim atender às regiões de difícil provimento. O projeto Saúde + 10 não vai resolver, mas é já um passo. O resto é proposta demagógica, são projetos eleitoreiros”, opina.


Mais médicos ou menos corporativismo?
A opinião de que projeto não vai resolver a saúde brasileira é unânime entre os especialistas ouvidos pela EPSJV, mas o Mais Médicos causou reações diversas. Como informa o MS, 22 estados estão abaixo da média nacional na quantidade de médicos, que é 1,8 para cada mil habitantes, sendo que cinco estados têm menos de um médico para cada grupo de mil habitantes. Em 1.900 cidades, a proporção é menor que um médico para cada três mil pessoas, e outras 700 não têm nenhum médico permanente.
O programa aponta que estes profissionais serão selecionados por meio de três editais: um para atração de médicos – estes trabalhadores deverão ser formados no Brasil, brasileiros formados no exterior ou estrangeiros, nessa ordem de preferência. A exigência de participação dos estrangeiros é que tenham conhecimentos de Língua Portuguesa, que sejam oriundos de países onde a proporção de médicos para cada grupo de mil habitantes é superior à brasileira. Todos os trabalhadores estrangeiros deverão cursar também especialização em Atenção Básica. Uma vez selecionados, o Programa oferecerá bolsa federal de R$ 10 mil, sob a supervisão de instituições públicas de ensino. O outro edital é para a inscrição das cidades que querem participar do programa, que deverão assumir as despesas de moradia e alimentação destes trabalhadores, e para as entidades que supervisionarão este trabalho.
A presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Ana Maria Costa, afirma que este é um projeto corajoso para enfrentar um problema crônico no país e aponta que é apenas o primeiro passo para um caminho maior de transformação na formação dos médicos brasileiros: “Essa medida tem aspectos importantes porque condiciona o médico a passar dois anos servindo ao SUS, fazendo assistência ao povo brasileiro. Além do compromisso do médico que recebeu do setor público uma formação cara e agora é a hora de fazer essa devolução, tem o aspecto formativo do médico em passar dois anos lidando com a população brasileira, que pode servir para fixá-lo nestas localidades. Mas essa retaguarda do modelo de formação tem que prepará-lo muito bem para isso”, explicou.
A Abrasco faz coro à opinião do Cebes em relação à aproximação dos estudantes com a realidade da saúde do Brasil. “A nossa entidade vê com bons olhos a inserção, a mais precoce possível, de estudantes de saúde, mas não apenas de medicina, nos serviços do SUS que disponham de condições adequadas de funcionamento e sempre com a supervisão de preceptores ou tutores. Essa inserção tanto qualifica a formação profissional quanto contribui para a melhoria da qualidade dos serviços”, opina e analisa: “É importante ainda ressaltar que essa iniciativa governamental revela que a voz das ruas encontrou eco. Se ainda não é o eco perfeito, ao menos, mostra a possibilidade de o movimento social influir na formulação das políticas públicas”.
Aloísio Tibiriçá, do CFM, discorda e afirma que a desigualdade de médicos se dá pela falta de investimento público, e que esta não pode ser uma forma de retenção. “O mercado domina a locação de recursos humanos, porque, como qualquer profissão, você vai aonde o mercado oferece melhores condições. É assim com jornalista, engenheiro, arquitetos… Nós consideramos que o investimento público tem que ser forte para conseguir reter os profissionais”, explica e completa: “No final da gestão do Ministro José Gomes Temporão. foi realizada, junto a entidades médicas, a proposta de uma carreira nacional de um médico do SUS, uma espécie de embrião de uma carreira de Estado para o médico, mas foi engavetada pelo ministro Padilha”.
Contratação de médicos estrangeiros
Antes de apresentar o programa Mais Médicos, a proposta inicial da presidente era trazer médicos estrangeiros de Cuba, Espanha e Portugal para atuar nestas regiões do país. Neste contexto, o Conselho Federal de Medicina se posicionou contra a vinda destes médicos. No entanto, se esta ‘importação’ acontecesse, o CFM exigia que houvesse a aplicação do Revalida, uma prova que serviria para validar o diploma dos médicos estrangeiros.
Com o Programa apresentado no início da semana, a contratação destes médicos só acontecerá caso as vagas não sejam preenchidas por médicos brasileiros. O que ficou ainda a ser debatido é a questão do exame. Segundo o MS, esses médicos terão registro provisório, portanto, esta prova pode ser dispensada. “A aprovação no exame e consequente validação do diploma autoriza o profissional a trabalhar em qualquer região do país, concorrendo livremente no mercado de trabalho. Dessa forma, se o exame fosse realizado não seria possível determinar onde esse médico trabalhará, o que não resolveria o problema de falta de médicos no país concentrada no interior”, justifica o Ministério, via assessoria de imprensa.
Aloísio Tibiriçá, do CFM, informa que a exigência do Revalida já é praticada em muitos países. “Em muitos países que têm médicos estrangeiros, estes passaram por processos rigorosos de validação de diploma e critérios de trabalho no interior. As pessoas falam que estamos com uma pauta corporativista, mas o que queremos prezar é pela valorização dos médicos brasileiros e pela qualidade da medicina praticada no país”, argumenta.
O presidente da Abrasco também acha que a avaliação dos médicos pode ser um caminho, mas ele entende que esta revalidação deve ser feita tanto para os estrangeiros como para os brasileiros. “Assegurar a competência técnica dos profissionais a serem contratados é fundamental, assim como um conhecimento razoável da realidade social do país. No entanto, qualquer processo de avaliação deve envolver as escolas e as faculdades, as representações docentes e discentes”, propõe. Ana Maria Costa avalia o Revalida como uma queda de braço colocada pelo CFM, já que todas as entidades concordam que o Brasil não quer médicos despreparados. “Não queremos médicos de baixa qualidade atendendo à nossa população nem brasileiros, nem cubanos, nem espanhóis, nem de nenhuma nacionalidade… Nós já temos muito problema com os médicos atuais, nós temos uma presença muito grande de mortes e adoecimentos por atrogenia [doença provocadas por intervenções médicas], isso mostra que tem problema de qualidade do médico, particularmente, e devemos buscar fortemente à qualificação destes médicos. Mas também não entendemos que o Revalida, que é uma prova, possa dar conta de apresentar a realidade do conhecimento e da qualidade destes profissionais”, analisa e acrescenta: “o que precisamos é acabar com essas universidades de má qualidade e acompanhar de perto a formação e o trabalho destes profissionais”.
Formação de médicos
A presidente do Cebes indaga um ponto fundamental: os dois anos serão suficientes para formar um médico comprometido com o SUS? E, ela mesma responde: “Não. Este comprometimento deveria vir desde a graduação”. Ana Maria aponta ainda que uma medida importante é o fortalecimento das universidades federais, a criação de universidades nos interiores e a extinção das más escolas de medicina. “Sem dúvida, as referências que hoje existem nas diretrizes da formação médica do Brasil avançaram – o uso de metodologias mais comprometidas, que permitam uma formação mais integral, que leva e conduz a uma visão mais generalista e menos especialista -, mas a tarefa de fazer valer, avaliar o ensino médico, dentro da perspectiva técnica, ética e política é fundamental”, explica e acrescenta: “Se nós mudarmos a maneira como o médico é formado no Brasil, voltado para o mercado de especialidades, voltado para um compromisso cada vez maior com o mercado e menos com o SUS, cada vez maior com a doença e a tecnologia e cada vez menor com a necessidade de saúde da população, se não mudarmos essa ótica da formação médica, essa medida não vai ter grande impacto”.
Luis Eugênio, da Abrasco, avalia este programa como uma oportunidade destes profissionais conhecerem a realidade brasileira. “Nos cursos profissionais de saúde, especificamente, é preciso sim enfatizar abordagens que exponham os estudantes à realidade social do Brasil, que é muito diversificada. Nesse sentido, os estudantes não podem ficar restritos aos hospitais universitários, devem ser treinados em outros ambientes, como unidades básicas de saúde nas cidades grandes, médias e pequenas”, explica.
A assessoria do Ministério da Saúde explica que esta nova grade curricular foi inspirada em países como Inglaterra e Suécia, onde os alunos precisam passar por um período de treinamento em serviço, com um registro provisório, para depois exercer a profissão com o registro definitivo. “O objetivo é aprimorar a formação médica no Brasil, assegurando maior experiência prática aos futuros profissionais, ampliando a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS e aperfeiçoando seu conhecimento sobre a realidade da saúde do brasileiro”, explica.
Já o representante do CFM aponta que o problema de formação dos médicos está na falta de projeto de Estado. “O que formamos até hoje? Formamos médicos para o mercado, o mercado baliza as especializações, por isso, não conseguimos formar nem especializar de acordo com as necessidades deste país. Além disso, as especialidades chamadas generalistas são as mais desvalorizadas pelo governo, são as mais mal remuneradas, seja na tabela SUS, que remunera a rede complementar, seja na rede pública, além da forma precarizada de contratação. O médico se forma hoje para o mercado porque não há intervenção pública nisso”, explica Aloísio.
Mais “Trabalhadores da Saúde”
Segundo a presidente do Cebes, os médicos não são a única categoria de trabalhadores que faltam no interior do Brasil e o plano de carreira para servidores do SUS é uma necessidade de todos os trabalhadores da área. “O que vemos pela primeira vez é o enfrentamento de um assunto crônico, que é a questão dos recursos humanos, mas deve-se tangenciar a questão das outras profissões. As outras precisam de medidas concretas, como, por exemplo, os enfermeiros. Isso está relacionado aos baixos salários, pouca instabilidade, entre outros fatores. Precisamos voltar a discutir dois fatores: a questão do plano de cargos e salários e o ato médico”, explica.
Em nota à EPSJV, o Ministério da Saúde explicou que outros profissionais de Saúde, como enfermeiros e dentistas, também serão contemplados com novos incentivos federais. “Até 2015, o ministério vai abrir mil novas vagas de residência multiprofissional, direcionadas para todas as áreas da saúde além da medicina. Outra medida será o lançamento do edital do Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), voltado para enfermeiros e dentistas, que devem atuar em municípios onde já trabalham médicos do Provab”, informa. No total, de acordo com a nota, serão abertas vagas para 1.500 profissionais, sendo mil enfermeiros e 500 dentistas. Além de bolsa, eles terão acesso a um curso a distância de especialização de 12 meses, com foco na Atenção Básica.
Luis Eugenio, da Abrasco, aponta que faltam todas as categorias profissionais e técnicas. “Tem falta, sobretudo, de carreiras estruturadas. Que as pessoas, no senso comum, confundam médicos com profissionais de saúde, é compreensível, mas que o governo confunda, não”, analisa.
Ato médico
O ato médico , sancionado pela presidente Dilma Rousseff com vetos na noite de ontem, também é uma das questões que respinga em diversos profissionais da saúde. Os vetos feitos pela presidente atenderam parte dos pedidos de instituições como o Cebes e a Abrasco, sob o argumento de que traria impactos negativos ao SUS. Em tramitação há 11 anos, a PLS 286/2002, conhecido como ‘Ato Médico’, tinha entre outros pontos a exclusividade dos médicos na formulação do diagnóstico nosológico (que descreve, estuda e classifica doenças); um artigo que determina como atividade privativa do médico a indicação do uso de órteses e próteses; a direção e chefia de serviços médicos; além do procedimentos considerados de invasão da epiderme e derme, o que impediria outros profissionais de aplicar injeções, por exemplo. “Na prática, a Lei é inócua para os médicos e prejudicial para o exercício dos demais profissionais e para a população. É inócua, pois não vai beneficiar em nada os médicos e é prejudicial, pois pode ensejar uma séria infindável de questionamentos às práticas dos demais profissionais”, diz o presidente da Abrasco em relação ao texto anterior ao veto.
Viviane Tavares, jornalista, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
EcoDebate, 22/07/2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário